top of page

Falando sobre Arte...(2)

A espiritualidade redescoberta nas Artes

 

Dos três atributos da Natureza – forma, cor e som – a forma é o mais estável. Mantém o status quo por muito tempo e as suas modificações são lentas. As cores alteram-se mais rapidamente e algumas modificam a sua tonalidade ainda mais depressa do que as outras, consoante a exposição à luz. O som, por seu lado, é o mais fugaz dos três atributos: vai e vem como o fogo-fátuo, que ninguém pode agarrar ou reter.” (Max Heindel, Mistérios das Grandes Óperas)

 

Que a arte é mágica não é novidade. Desde a suas primeiras manifestações, nas representações da arte pré-histórica, que se usa a arte como ritual, um meio de aceder a outras níveis da realidade, ou de tomar consciência de um universo recém-descoberto. Assim, nessa altura, o homem traduz de forma simbólica níveis de percepção que entretanto se limitaram. O contacto e a reunião com o Sagrado, o absoluto, são então naturais. A espiritualidade e graciosidade das suas obras são inocentes, tal como a dos actuais povos primitivos o é. O tempo e a matéria precisavam fazer a sua afirmação.

Quer seja ao nível antropológico, psicológico, religioso ou filosófico, a experiência artística assumiu-se desde o seu início como uma experiência espiritual, uma forma de aceder às nossas raízes mais profundas.

Ao longo da história do pensamento, a filosofia sempre lhe conferiu um papel especial como um dos caminhos de acesso ao conhecimento do mundo divino, a Deus. Os outros meios reconhecidos foram a religião e a filosofia. Desta forma a hierarquização da arte, assente na espiritualidade, pode ser entendida como definição de etapas de um percurso que culmina na autodescoberta, a identidade, o nosso arquétipo individual.

Na filosofia grega o Belo surge associado ao bem e à virtude. Para Platão a experiência da Beleza conforme descrita na ascese de Diotimo, corresponde a uma hierarquização. Primeiro começa-se por amar as formas, os corpos (na sua saúde, força e riqueza). Depois há um entendimento moral da beleza, consideram-se almas belas aquelas que apresentam virtudes, valores morais. E, finalmente, para os sábios, verifica-se a transcendência, o acesso ao absoluto, o mundo das Ideias, onde existe beleza em si.

Os estóicos associam as paixões ao desejo e a arte à virtude. A arte permite aos humanos participar da virtude dos deuses, do “logos” universal, através da identificação com ele. Crisipo considera a finalidade moral dos actos a beleza na sua execução. A virtude é a arte da vida.

Para Plotino o amor ideal é o impulso para a beleza. A beleza dos corpos corresponde a uma enformação na matéria (perspectiva aristotélica). Aquele que se prende a ela priva-se da contemplação da verdadeira beleza. O verdadeiro filósofo, o sábio transformado, dispensa a arte. A sua estética é estética do bem, da beleza espiritual, da beleza informe.

O ideal cristão imposto durante a Idade Média reprime e condena os prazeres sensuais, para valorizar a espiritualidade. O mundo visível é mera manifestação do mundo divino.

No entanto, Tomás de Aquino forma a sua estética a partir de um juízo racional sobre os dados dos sentidos (o sentido clássico da justa proporção).

Para Huges de Saint-Victor o artista continua a obra de Deus, interpreta a natureza.

Na Idade Média a arte tem uma finalidade. A influência da teologia tornou as obras alegóricas, ao serviço de fins pedagógicos e muitas vezes consideradas como algo de inferior por lidarem directamente com a matéria.

 

Com o Renascimento o gosto pela beleza do mundo sensível predomina. Volta a valorizar-se o corpo humano e a natureza. A Ideia assume agora uma Forma: o Homem.

 

O século XVIII apresenta-se, parcialmente, como uma continuação do anterior.

A arte está ao serviço da verosimilhança e não da verdade.

 

No século XIX duas situações se consideram. A aplicação das regras da ciência à arte, na esteira do positivismo, e o apelo aos sentimentos pelo romantismo. Nesta última corrente valoriza-se por vezes o grotesco e tanto os ideais revolucionários como na sequência os contra revolucionários.

 

No século XX existiu, por um lado, uma valorização da matéria. Esta, desperta pelos artistas, fala. Por outro, há a considerar o valor conferido ao pensamento científico da arte, o método e o conceito, que culmina no minimalismo e conceptualismo. É necessário resolver esta dualidade que esteve quase sempre presente ao longo da história da humanidade. Valorizar aspectos de uma realidade que é uma só mas é encarada como diferenciada. O mundo sensível e o inteligível devem voltar a reunir-se na experiência artística, que não pode prescindir, enquanto presença visível, nem de forma nem de conteúdo. Em situação diferente se encontra a música, como a frente falaremos.

No que respeita aos outros sentidos, gosto, olfacto e tacto, foram quase sempre rejeitados como capazes de fornecer experiências artísticas válidas. Na actualidade, numa época onde a conquista do mundo material atingiu o seu ponto máximo, incluem-se e são factores de pesquisa.  

A música caracteriza o mundo das Ideias, dos arquétipos. “É a linguagem do mundo celeste, o verdadeiro lar do espírito, e apresenta-se à chispa divina aprisionada na carne, como a mensagem da sua terra natal. A música impressiona todos, sem levar em conta raça, credo ou qualquer outra distinção mundana. E quanto mais elevado e espiritual é o indivíduo, tanto mais claro ela lhe fala. Mesmo o indivíduo mais rude não fica impassível ao ouvi-la.” (Max Heindel, Conceito Rosacruz do Cosmos)

O mundo manifestado, das formas, é apenas uma cópia deste plano. As artes plásticas e visuais lidam com esta “realidade inferior”. Assim, só quando a arte é expressão plena do espírito, i.e., quando incorpora valores arquetípicos, se torna verdadeiramente universal como Kant pretendia. E, neste caso, poderá apresentar-se sob qualquer forma de expressão.

Rudolf Steiner criador da ciência espiritual antroposofica estabelece mesmo uma relação entre os níveis densidade do ser e as formas de arte. Ao corpo físico, etérico, astral, ao ego, ao espírito individual e ao espírito de vida, correspondem respectivamente a arquitectura, a escultura, a pintura, a música, a poesia e a euritmia. Esta última é um conceito clássico, o eu-rhythmós (o ritmo equilibrado, belo e harmonioso que se encontra oculto nas Artes Plásticas), retomado por Herder no século XIX. Na euritmia, o corpo humano torna-se expressão do espírito em harmonia com o universo.

É pois necessário conciliar os dois aspectos que se encontram presentes nas artes: a matéria - a forma - muitas vezes sub ou sobrevalorizada, e os conceitos, com os quais sucede a mesma coisa. O modo como tal se consegue só poderá ser efectuado através da poesia, a descoberta do amor que caracteriza o espírito e tudo une. É necessário descobrir a nossa identidade, a nossa música interior.

CACAV  Circulo de Animação Cultural de Alhos Vedros

Atelier Pintura e Desenho - CACAV, Aulas de Pintura e Desenho - Oficinas de Arte da CACAV em Alhos Vedros

bottom of page